terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Gênesis - Comentário Geral

William Turner. Light and Colour (Goethe's Theory)
   Gênesis é o nome dado por grande parte dos cristãos ocidentais ao primeiro livro da Bíblia, também o primeiro livro do pentateuco (do grego Πεντάτευχος, ou cinco "caixas", em referência aos cinco livros inicias da Bíblia). O livro também é conhecido pelos judeus como Bereshit (בְּרֵאשִׁית, isto é, בְּ ou "no", e רֵאשִׁית, ou "começo"), que é a primeira palavra hebraica do livro (os judeus nomeiam seus livros a partir das primeiras palavras figurando em cada um deles).
 
  A trama dos livros do pentateuco é entrecortada por divagações, histórias heróicas, listas e leis que vão da criação do mundo e dos primeiros homens até a chegada do povo escolhido à terra que Deus lhes teria prometido. O gênesis se resume a narrar a história da criação do mundo e do homem por Deus, e as subsequentes punições que o homem sofre por não prestar a devida obediência a seu Senhor. A primeira punição se refere à queda do homem que vivia em estado de perfeição no paraíso terreal, o jardim do Édem, descrito como uma porção do oriente próximo, atual Iraque. Outra punição segue, o dilúvio, e do mundo pós diluviano ressurge com o mesmo grau de corrupção. Deus estabelece, portanto, um pacto com Abrãao, que se provaria um homem incorruptível e leal a Deus, recebendo em troca diversas benesses. Por intermédio de seu filho, Jacó (mais tarde renomeado como Israel), Abraão e outros membros do clã são aceitos na monarquia egípcia num período de secas que os obriga a abandonar a terra prometida, Canaã, para qual Abraão havia se deslocado por ordem de Deus por ocasião de seu pacto divino. O livro se encerra com o estabelecimento dos herdeiros de Abraão no Egito.

   A autoria do gênesis é um caso de debate. Embora a tradição atribua a redação do livro a Moisés, importante líder das sagas hebraicas, os textos não fazem referência a um autor específico. Além disso, é forte a impressão de que se referem a Moisés e aos fatos narrados como distantes no tempo, inclusive apresentado diversas etiologias e origens de toponímias que evidentemente não fariam sentido caso a redação fosse contemporânea. No entanto, se pudermos aceitar que o Moisés histórico possuiu grande proximidade com as descrições bíblicas, não há porque duvidar que ele realmente tenha fornecido o núcleo duro dos textos que foram reunidos para se redigir o gênesis e, de forma mais ampla, todo o pentateuco, (com exceção, é claro, da descrição acerca da morte do próprio Moisés em Deuteronômio).

   Como veremos em outros momentos, os debates acerca da autoria dos livros bíblicos são bastante complexos, e envolvem admitir até que ponto fontes orais ou escritas puderam servir como arcabouço literário para a preservação de histórias e versões religiosos que possivelmente remontam a milênios. Também concernem os estudos a respeito da possível edição da Bíblia via diversas tradições literárias, como a chamada Hipótese Documentária, hoje relativamente criticada não apenas pelas religiões mais literais, que nunca a haviam visto com bons olhos, mas também pela academia.
  
   Atualmente, há considerável divergência a respeito de como datar os livros bíblicos. Para muitos, essa questão pode parecer supérflua ou até herética. Mas para os biblistas, os historiadores e arqueólogos (e para os autores desse blog), saber quando os textos foram escritos é essencial quando se está comprometido com a busca de informações objetivas e sensatas. Para a teoria da história, o contexto de criação de um texto é essencial para não se incorrer em leituras anacrônicas e apontamentos equivocados. Desta forma, seria bastante estranho encontrar em Tucídides, autor do século V a.C., referências ao conceito cristão de penitência, uma vez que são distantes no tempo. A própria transformação da língua impede que um termo grego qualquer seja traduzido da mesma forma e com a mesma conotação em documentos da Atenas clássica e do novo testamento, uma vez que os contextos de produção desses textos estão separados no tempo por muitos séculos.
   
   A mesma crítica é válida para documentos espacialmente distantes, e é por isso que a busca de autoria normalmente se confunde com uma esforçada tentativa de localização geográfica daqueles que escreveram o texto. Veremos como esse elemento é essencial para se compreender, por exemplo, os evangelhos e os manuscritos do mar morto.
   
  No caso do gênesis, a datação é realizada a partir de uma análise de elementos estilísticos, uma comparação com outros textos mais facilmente datáveis, pela análise de eventuais incoerências internas, pela filologia e, ultimamente, pela comparação com a evidência arqueológica, mais facilmente datável. Fazemos isso porque os documentos bíblicos foram, de forma geral, preservados em manuscritos bastante posteriores à sua formulação original, motivo pelo qual não é possível datá-los com técnicas como o carbono 14. No caso da arqueologia, temos acesso a evidências mais pontuais no tempo, normalmente graças ao cálculo baseado na estratigrafia e em datações relativas por meio de cerâmicas e outros objetos característicos. A maior parte dos especialistas concorda que os livros do gênesis devem conter passagens que remontam no máximo até a Monarquia Unida (século XII a.C.) e no mínimo até o século VI a.C., embora existam opiniões dissonantes exigindo uma redação mais antiga ou mais tardia, dependendo da posição ideológica dos críticos.

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